Nesta semana o Congresso Nacional deve votar um novo Código Florestal. O atual foi editado em 1965, em pleno regime militar. O Brasil tinha menos 110 milhões de habitantes, a população rural ainda era maior do que a urbana, que se concentrava na franja atlântica. Nos últimos 15 anos, milhares de mudanças geradas no âmbito do Poder Executivo e introduzidas na legislação o transformaram numa espécie de Código Ambiental, desvinculado do Brasil real.
Boa parte dessas alterações resultou de pressão internacional, quando do anúncio de números do desmatamento da Amazônia elaborados no Ministério do Meio Ambiente. A maioria foi editada sem discussão com os legisladores, com a comunidade científica e muito menos com os principais atingidos: os agricultores. Preocupações legítimas com o desmatamento da Amazônia deram lugar a medidas de âmbito nacional, desconsiderando os biomas e a história de ocupação das terras.
Esses decretos, medidas provisórias e resoluções ambientais do Executivo colocaram na ilegalidade praticamente 100% dos pequenos e médios agricultores, geraram imensa insegurança jurídica e comprometeram a competitividade da agricultura. Isso obrigou a Presidência a editar e reeditar medidas provisórias para limitar os danos desse imbróglio jurídico. Já os instrumentos efetivos de gestão e ordenamento territorial, como o zoneamento ecológico-econômico, previstos na Constituição federal de 1989, nunca foram efetivados.
Em agosto de 2009, o Poder Legislativo decidiu enfim legislar nesse tema. Criou uma comissão para atualizar o Código Florestal e nomeou como seu relator o deputado Aldo Rebelo, do PC do B. Foram quase dois anos de debates e negociações, com mais de cem audiências públicas realizadas em todo o Brasil. O projeto de lei foi aprovado na Comissão Especial da Câmara em julho de 2010.
É surpreendente como esse projeto, disponível na internet desde 2010, parece não ter sido lido pela maioria de seus críticos. Na mídia social foram propostas campanhas pautadas em temas genéricos como "não aceite mudanças no Código Florestal" ou ainda "o novo Código vai aumentar o desmatamento". Seus propositores, em vez de criar alternativas concretas, propor novos artigos para resolver problemas reais, limitaram-se um copy paste de chavões antirreforma do Código, sem nenhuma reflexão informada. Até o sr. Bono da banda U2 transmitiu recomendações sobre o Código Florestal à presidente Dilma.
Desde 2010, a ministra do Meio Ambiente prometeu um projeto alternativo, outro Código Florestal. Seu projeto nunca apareceu. Outros transformaram o debate sobre a reserva legal num simplista afrontamento entre ambientalistas e ruralistas, entre mocinhos e bandidos, sem dar-se conta do interesse nacional em jogo: o dispositivo da reserva legal incide pesadamente sobre os pequenos agricultores.
Nas Regiões Sul, Sudeste e Nordeste, a reserva legal é de 20% das propriedades, sejam elas de 5 ou de 5 mil hectares; estejam em áreas planas ou de relevo, em várzeas ou na caatinga. Segundo o IBGE, dos 4.367.902 imóveis de agricultura familiar, mais de 82% não possui nenhuma área de preservação permanente ou de reserva legal. Nos pequenos, toda a terra é utilizada para a sobrevivência da família.
Por que tanta desinformação sobre questões ambientais relativas ao uso das terras no Brasil? Talvez porque esse seja um debate urbano, conduzido por pessoas distantes das realidades rurais, que desconhecem a vida dos agricultores, o alvo principal das alterações introduzidas no Código Florestal. Sem noção do alcance territorial e socioeconômico da legislação ambiental atual, os ambientalistas, às vezes verdadeiros urbanoides, com a participação ativa de organizações não governamentais estrangeiras, pouco contribuíram para o conhecimento dos problemas e a busca de soluções. Levantaram muito mais bandeiras de marketing do que uma necessária discussão substantiva.
A situação ambiental é muito mais crítica nas cidades do que no campo. Graças à agricultura, o País tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo: 47,3% de fontes renováveis, ante uma média mundial de 18,6% e de 7,2% nos países ricos. A agricultura fornece 30,5% da energia do Brasil. A cana-de-açúcar hoje garante 18,3%, ultrapassando a contribuição das hidrelétricas (15,2%). As florestas energéticas (lenha e carvão) garantem 10,3%. A agricultura é mais uma solução do que um problema ambiental.
O Brasil reduziu em 80% o desmatamento na Amazônia. Projetar a ideia de que a agricultura desmata o Brasil é uma falácia. Entre 1995 e 2006, segundo o IBGE, a agricultura teve uma redução líquida de área de 23,7 milhões de hectares. Mesmo assim, cresce anualmente a produção e diminui o preço da cesta básica, graças aos ganhos de produtividade da agricultura.
O Brasil é o país com mais áreas protegidas do mundo: 2,4 milhões de quilômetros quadrados, 28% do seu território. Em segundo lugar vem a China, com 17% de seu território, e em terceiro lugar, a Rússia, com cerca de 8% do seu território. Precisamos de mais parques nacionais ou deveríamos cuidar melhor das áreas protegidas existentes?
O relator do Código Florestal participou de dezenas de debates com ONGs, mídia, sindicatos, federações, partidos, etc. E buscou conciliar a contribuição de entidades, grupos de trabalho interministeriais e da Câmara de Conciliação. Consenso total é impossível. O projeto final aponta caminhos para um novo equilíbrio entre a preservação ambiental e o fortalecimento da agricultura. Nunca um projeto de lei foi tão debatido com a sociedade na história do Congresso!
No final das contas, as leis são apoiadas pela sociedade - elas não controlam a sociedade. São dinâmicas, evoluem com ela. As estruturas legais têm de apoiar as estruturas sociais. Agora é a hora do voto.
Fonte: Rodrigo Lara Mesquita - O Estado de S.Paulo
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